A morte
de João Batista
Mc 6,14-29
Todos nós conhecemos essa cena: a filha de Herodias dança
diante de Herodes e seus convidados, que adoram. E Herodes sai com essa pérola:
“peça o que quiser, e eu te darei, mesmo que seja metade de meu Reino”. E o
desfecho, todos já sabem.
Essa passagem tem uma frase que salta:
“Herodes
ficou muito triste, mas, por causa do juramento que havia feito na frente dos
convidados, não pôde deixar de atender ao pedido da moça.” - Mc 6, 26
Essa palavra me deixa constrangido. Mas antes de pensar,
refletir o que a palavra diz para mim, contemplo a postura de Jesus x a postura
de Herodes. Na contradição que há ai.
Jesus não promete o que não pode ou o que não deve cumprir.
Quando a “crista” de alguns subia e os pedidos perdiam o rumo, Ele não tinha
problema em dizer: - Meninos! Menos, vocês não sabem o que estão pedindo – Mc 10, 37-38
Herodes podia ter dado uma abaixada na crista da menina:
“Olha filha, nem você, nem sua mãe sabem o que estão pedindo. Dançou bonitinho,
agora “senta lá Cláudia” e fica boazinha.”
Mas o problema é o antes, o juramento exagerado, metade do
Reino por uma dança? E o pior na frente dos convidados. E a vergonha de voltar
com a palavra atrás na frente de todos?
Antes de João, é Herodes quem havia perdido a cabeça, o
juízo, a coerência.
Herodes ficou muito triste, mas por causa do juramento não
pode deixar de atender a menina.
Jesus não passa esse tipo de constrangimento, não tinha jurado
nada diante de convidados, não tinha juramento para doutores da lei, nem para
sumo sacerdotes, sua questão é com o Pai! Para Ele era a vontade do Pai que não
podia deixar de atender.
Contemplamos Jesus fazendo seu caminho, descobrindo a
vontade do Pai, e não podemos imaginá-Lo nesse caminho com sentimentos mais ou
menos, rasos, superficiais.
Tudo era intenso, profundo, forte. Penso na alegria que
devia sentir ao receber tanta gente sofrida que se aproximava desarmada e
esperançosa ao seu encontro, ao ver tanta gente simples acolhendo suas
palavras. Ele devia sentir uma alegria incontida, algo que renovava o ânimo
para seguir seu caminho.
Mas também penso na tristeza que sentiu em determinados
momentos, de certo, uma tristeza que rasgava seu coração, que angustiava a alma
diante de tanta dureza, indiferença, injustiças.
Penso em Jesus chorando diante de Jerusalém, que tristeza profunda
devia sentir naquele momento.
Mas na tristeza de Jesus não há espaço para inércia, nem
passividade. Seus sentimentos produzem movimento, impulso. Ele sente com
profundidade suficiente para romper com os caminhos normais e insanos que a
maioria fazia. Ele faz um caminho novo, próprio, na contramão do contexto.
A tristeza de Herodes é superficial, não é suficiente para
evitar um crime. É uma tristeza que se curva a juramentos, é facilmente
relativizada. Sua tristeza não o interpela, e se o faz é de forma muito rasa,
não é suficiente para fazê-lo tomar um caminho diferente.
Como disse no início essa palavra me deixa constrangido,
porque também trago da fraqueza de Herodes.
Sinto que lá no fundo, lá na minha essência tenho uma
lembrança do lugar de onde vim, de quem sou efetivamente, há um pouco do reino semeado
lá dentro. Essa parte de mim que se entristece quando depara com tantas
injustiças, com tanto sofrimento evitável. Sinto uma tristeza profunda diante
de relações tão contrárias àquelas propostas por Jesus.
Mas, me constrange pensar que minhas tristezas, muitas vezes,
não são suficientemente profundas. Fico triste, mas não o bastante para fazer
um movimento contrário como deveria.
E pergunto-me:
- Quantas vezes nossa tristeza não é
suficiente?
- Quais juramentos nos curvam? Tirando-nos a
condição de estar de pé.
...
- O assunto do momento são os programas de televisão, uns
mais especificamente, todos estão escandalizados com o tal programa que confina
seres humanos. Fico triste de pensar na existência desse tipo de coisa, triste
de pensar que nosso povo assiste isso. Mas talvez, minha tristeza não é
suficiente para eu deixar de dar aquela “espiadinha” na novela, no futebol, no
jornal, todos da mesma emissora. E os produtos das empresas que financiam esse e
outros programas, consigo quebrar o juramento de consumi-los?
- E por falar em produtos. As filhas de Herodias, agora
enteadas da Brahma, Kaiser, Skol, Antártica, etc e etc, já nem precisam dançar,
basta um banner com uma foto “insinuante”, oferecendo uma cerveja. Não há nem a
necessidade de consultar a madrasta, o pedido é claro: Consuma! Consuma! E consuma
mais! O excesso da bebida é para não quebrar qual juramento? O juramento de
continuar sendo o 4° maior mercado de cerveja do mundo? Ou o juramento de
manter a porcentagem de acidentes graves ocasionados pelo álcool na casa de 40%
a 50%?
- Sempre estivemos tristes com tanta roubalheira, com desvio
de dinheiro, mas a Copa do Mundo está fazendo tudo ficar mais escancarado, mais
chocante, pois os dígitos são muito grandes. A tristeza de ver tanto roubo,
tantas obras superfaturadas, tantas famílias que estão sendo despejadas, é
suficiente para uma visão mais crítica quanto ao evento?
Ou em 2014 tudo será relativizado? Vamos colocar fitinha
verde e amarela no punho, ficaremos eufóricos, e vamos sentar felizes na frente
da TV (possivelmente ligaremos naquele mesmo canal, daquele programa, lembra?)...
E tudo ficará bem, afinal o juramento que reza é que somos o
país do futebol, somos um povo que esquece tudo, e no fim acaba tudo em samba,
carnaval e pizza.
- Tanta desigualdade no nosso país, tantas pessoas vivendo
em condições desumanas, tanta pobreza, tanta insegurança, tantas coisas que nos
entristecem. E mais um juramento saído do forno, para nos ajudar a relativizar
a tristeza: – “A economia do país está crescendo, já somos a 6ª. do mundo, o
Brasil está se tornando um país rico. Tudo em nome do progresso”.
Gostaria de ver progresso também na saúde e na educação,
essa incoerência me faz lembrar Legião Urbana: “Nas favelas, no senado, sujeira pra todo
lado. Ninguém respeita a constituição, mas todos acreditam no futuro da nação”.
- Isso para não citar as pequenas coisas, (e que são aquelas
que mais fazem a diferença) como as muitas palavras que não são ditas, as
posições que não são tomadas, o estar constantemente em cima do muro, tudo para
não quebrar o juramento da política da “boa vizinhança” ou o juramento de “miss
simpatia”.
Então, tudo muito clichê, não é mesmo?
Pois é, que pena que nossa tristeza não é
profunda o bastante para impedir que se torne clichê.
Durante a oração, no caminho que o Espírito me conduzia
sentia certo desânimo, a reflexão trazia um tom negativo, e não me esforcei
para barrar esse sentimento, pois a oração me convidava justamente a sair da
superficialidade dos sentimentos, da tristeza rasa; seria contraproducente maquiar
e relativizar os sentimentos que vinham. Mas, também nesse caminho duas promessas
me atravessaram, trazendo luz...
“Tenho-vos dito isso,
para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom
ânimo; eu venci o mundo.” JOÃO 16:33.
“Eis que eu estarei
convosco todos os dias, até o fim do mundo.” Mt 28,20.
As promessas de Jesus nos levantam, nos dão novo ânimo,
encorajam, renovam nossas esperanças: “no mundo terei aflições; mas tende bom ânimo, eu venci o
mundo”.
Não é uma frase de auto-ajuda ou motivação barata: “eu
consegui, vai lá que você consegue também”. Ou ainda: “espelhe-se no meu
exemplo de sucesso.”
Não! É para muito além! Ele nos encoraja, renova nosso
ânimo, mas não para por ai, Ele próprio vem conosco! Aquele que também teve
aflições e venceu o mundo, caminha conosco porque Ele sabe que minha fraqueza não é
menor que a de Herodes. Ele já tem isso em conta, então se compromete por
inteiro, sabe que sozinhos não podemos, não conseguimos. Por isso Ele vem
conosco, garante sua companhia, sua presença, sua participação ativa no projeto
do Pai para nós.
Essas palavras devem nos encher de alegria, esperança e novo
ânimo. Devem ser o maná que nos dá vitalidade e ardor missionário para seguir
nosso caminho.
Senhor,
Que o nosso coração se una ao Teu.
Que nossas alegrias e tristezas
alcancem intensidade e profundidade suficiente
“para não nos conformarmos com esse mundo...”
“Ficai conosco,
Senhor, acompanhai-nos,
ainda que nem sempre tenhamos sabido reconhecer-vos.
Ficai conosco,
porque as sombras vão se tornando densas ao nosso redor,
e vós sois a Luz;
em nossos corações se insinua a desesperança,
e vós nos fazeis arder com a certeza da Páscoa.
Estamos cansados do caminho,
mas vós nos confortais
na fração do pão
para anunciar aos nossos irmãos que na verdade
vós ressuscitastes e nos destes a missão de ser
testemunhas da vossa ressurreição."
( Bento XVI, Discurso inaugural na V Conferência)
André
Luis
Pará de Minas
11°
Cursilho Jovem da Diocese de Divinópolis.