sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

A Morte de João Batista




A morte de João Batista
Mc 6,14-29

Todos nós conhecemos essa cena: a filha de Herodias dança diante de Herodes e seus convidados, que adoram. E Herodes sai com essa pérola: “peça o que quiser, e eu te darei, mesmo que seja metade de meu Reino”. E o desfecho, todos já sabem.

Essa passagem tem uma frase que salta:

“Herodes ficou muito triste, mas, por causa do juramento que havia feito na frente dos convidados, não pôde deixar de atender ao pedido da moça.” - Mc 6, 26

Essa palavra me deixa constrangido. Mas antes de pensar, refletir o que a palavra diz para mim, contemplo a postura de Jesus x a postura de Herodes. Na contradição que há ai.

Jesus não promete o que não pode ou o que não deve cumprir. Quando a “crista” de alguns subia e os pedidos perdiam o rumo, Ele não tinha problema em dizer: - Meninos! Menos, vocês não sabem o que estão pedindo – Mc 10, 37-38

Herodes podia ter dado uma abaixada na crista da menina: “Olha filha, nem você, nem sua mãe sabem o que estão pedindo. Dançou bonitinho, agora “senta lá Cláudia” e fica boazinha.”

Mas o problema é o antes, o juramento exagerado, metade do Reino por uma dança? E o pior na frente dos convidados. E a vergonha de voltar com a palavra atrás na frente de todos?
Antes de João, é Herodes quem havia perdido a cabeça, o juízo, a coerência.

Herodes ficou muito triste, mas por causa do juramento não pode deixar de atender a menina.

Jesus não passa esse tipo de constrangimento, não tinha jurado nada diante de convidados, não tinha juramento para doutores da lei, nem para sumo sacerdotes, sua questão é com o Pai! Para Ele era a vontade do Pai que não podia deixar de atender.

Contemplamos Jesus fazendo seu caminho, descobrindo a vontade do Pai, e não podemos imaginá-Lo nesse caminho com sentimentos mais ou menos, rasos, superficiais.
Tudo era intenso, profundo, forte. Penso na alegria que devia sentir ao receber tanta gente sofrida que se aproximava desarmada e esperançosa ao seu encontro, ao ver tanta gente simples acolhendo suas palavras. Ele devia sentir uma alegria incontida, algo que renovava o ânimo para seguir seu caminho. 
Mas também penso na tristeza que sentiu em determinados momentos, de certo, uma tristeza que rasgava seu coração, que angustiava a alma diante de tanta dureza, indiferença, injustiças.
Penso em Jesus chorando diante de Jerusalém, que tristeza profunda devia sentir naquele momento.

Mas na tristeza de Jesus não há espaço para inércia, nem passividade. Seus sentimentos produzem movimento, impulso. Ele sente com profundidade suficiente para romper com os caminhos normais e insanos que a maioria fazia. Ele faz um caminho novo, próprio, na contramão do contexto.

A tristeza de Herodes é superficial, não é suficiente para evitar um crime. É uma tristeza que se curva a juramentos, é facilmente relativizada. Sua tristeza não o interpela, e se o faz é de forma muito rasa, não é suficiente para fazê-lo tomar um caminho diferente. 

Como disse no início essa palavra me deixa constrangido, porque também trago da fraqueza de Herodes.

Sinto que lá no fundo, lá na minha essência tenho uma lembrança do lugar de onde vim, de quem sou efetivamente, há um pouco do reino semeado lá dentro. Essa parte de mim que se entristece quando depara com tantas injustiças, com tanto sofrimento evitável. Sinto uma tristeza profunda diante de relações tão contrárias àquelas propostas por Jesus.

Mas, me constrange pensar que minhas tristezas, muitas vezes, não são suficientemente profundas. Fico triste, mas não o bastante para fazer um movimento contrário como deveria.

E pergunto-me:

- Quantas vezes nossa tristeza não é suficiente?
- Quais juramentos nos curvam? Tirando-nos a condição de estar de pé.

...
- O assunto do momento são os programas de televisão, uns mais especificamente, todos estão escandalizados com o tal programa que confina seres humanos. Fico triste de pensar na existência desse tipo de coisa, triste de pensar que nosso povo assiste isso. Mas talvez, minha tristeza não é suficiente para eu deixar de dar aquela “espiadinha” na novela, no futebol, no jornal, todos da mesma emissora. E os produtos das empresas que financiam esse e outros programas, consigo quebrar o juramento de consumi-los?

- E por falar em produtos. As filhas de Herodias, agora enteadas da Brahma, Kaiser, Skol, Antártica, etc e etc, já nem precisam dançar, basta um banner com uma foto “insinuante”, oferecendo uma cerveja. Não há nem a necessidade de consultar a madrasta, o pedido é claro: Consuma! Consuma! E consuma mais! O excesso da bebida é para não quebrar qual juramento? O juramento de continuar sendo o 4° maior mercado de cerveja do mundo? Ou o juramento de manter a porcentagem de acidentes graves ocasionados pelo álcool na casa de 40% a 50%?

- Sempre estivemos tristes com tanta roubalheira, com desvio de dinheiro, mas a Copa do Mundo está fazendo tudo ficar mais escancarado, mais chocante, pois os dígitos são muito grandes. A tristeza de ver tanto roubo, tantas obras superfaturadas, tantas famílias que estão sendo despejadas, é suficiente para uma visão mais crítica quanto ao evento?
Ou em 2014 tudo será relativizado? Vamos colocar fitinha verde e amarela no punho, ficaremos eufóricos, e vamos sentar felizes na frente da TV (possivelmente ligaremos naquele mesmo canal, daquele programa, lembra?)...
E tudo ficará bem, afinal o juramento que reza é que somos o país do futebol, somos um povo que esquece tudo, e no fim acaba tudo em samba, carnaval e pizza.

- Tanta desigualdade no nosso país, tantas pessoas vivendo em condições desumanas, tanta pobreza, tanta insegurança, tantas coisas que nos entristecem. E mais um juramento saído do forno, para nos ajudar a relativizar a tristeza: – “A economia do país está crescendo, já somos a 6ª. do mundo, o Brasil está se tornando um país rico. Tudo em nome do progresso”.
Gostaria de ver progresso também na saúde e na educação, essa incoerência me faz lembrar Legião Urbana: “Nas favelas, no senado, sujeira pra todo lado. Ninguém respeita a constituição, mas todos acreditam no futuro da nação”.

- Isso para não citar as pequenas coisas, (e que são aquelas que mais fazem a diferença) como as muitas palavras que não são ditas, as posições que não são tomadas, o estar constantemente em cima do muro, tudo para não quebrar o juramento da política da “boa vizinhança” ou o juramento de “miss simpatia”.


Então, tudo muito clichê, não é mesmo?
Pois é, que pena que nossa tristeza não é profunda o bastante para impedir que se torne clichê.


Durante a oração, no caminho que o Espírito me conduzia sentia certo desânimo, a reflexão trazia um tom negativo, e não me esforcei para barrar esse sentimento, pois a oração me convidava justamente a sair da superficialidade dos sentimentos, da tristeza rasa; seria contraproducente maquiar e relativizar os sentimentos que vinham. Mas, também nesse caminho duas promessas me atravessaram, trazendo luz...

“Tenho-vos dito isso, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo; eu venci o mundo.” JOÃO 16:33.

“Eis que eu estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo.” Mt 28,20.

As promessas de Jesus nos levantam, nos dão novo ânimo, encorajam, renovam nossas esperanças: “no mundo terei aflições; mas tende bom ânimo, eu venci o mundo”.
Não é uma frase de auto-ajuda ou motivação barata: “eu consegui, vai lá que você consegue também”. Ou ainda: “espelhe-se no meu exemplo de sucesso.”

Não! É para muito além! Ele nos encoraja, renova nosso ânimo, mas não para por ai, Ele próprio vem conosco! Aquele que também teve aflições e venceu o mundo, caminha conosco porque Ele sabe que minha fraqueza não é menor que a de Herodes. Ele já tem isso em conta, então se compromete por inteiro, sabe que sozinhos não podemos, não conseguimos. Por isso Ele vem conosco, garante sua companhia, sua presença, sua participação ativa no projeto do Pai para nós.

Essas palavras devem nos encher de alegria, esperança e novo ânimo. Devem ser o maná que nos dá vitalidade e ardor missionário para seguir nosso caminho.


Senhor,  
Que o nosso coração se una ao Teu.
Que nossas alegrias e tristezas
alcancem intensidade e profundidade suficiente
“para não nos conformarmos com esse mundo...”


“Ficai conosco, Senhor, acompanhai-nos,
ainda que nem sempre tenhamos sabido reconhecer-vos.
Ficai conosco,
porque as sombras vão se tornando densas ao nosso redor,
e vós sois a Luz;
em nossos corações se insinua a desesperança,
e vós nos fazeis arder com a certeza da Páscoa.
Estamos cansados do caminho,
mas vós nos confortais na fração do pão
para anunciar aos nossos irmãos que na verdade
vós ressuscitastes e nos destes a missão de ser
testemunhas da vossa ressurreição."

( Bento XVI, Discurso inaugural na V Conferência)
 


André Luis
Pará de Minas
11° Cursilho Jovem da Diocese de Divinópolis.

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